IKKI! - CONTO DE PAULO EDUARDO
“IKKI!”
Por Paulo Eduardo
Em um dia escuro, no meio do outono, Yuli, um ronin estava caminhando por uma cidade deserta, dez anos depois dos eventos que o fizeram renunciar a ser um samurai:
Sua esposa, Myoinni, foi assassinada por uma horda de demônios canibais, que eram comandados pelo Demônio da Glutonia, o mais terrível demônio conhecido pelas lendas, que atacou o Castelo Hachinohe, enquanto Yuli estava numa batalha distante, liderando o exército de seu senhor contra o exército de um han inimigo.
Isso foi há dez anos e Yuli renunciou a seus títulos, suas posses e a obediência a seu senhor e tornou-se um ronin, um samurai sem mestre, caído em desgraça, e jurou vingar a morte de sua esposa.
Porém, mesmo após procurar aqueles demônios por dez longos anos, nos quais, sendo um ronin, sobreviveu como assassino de aluguel, para adquirir os meios de sobrevivência e para refinar sua arte de luta e prepara-se para eliminar o Demônio da Glutonia, nenhum traço daqueles seus inimigos Yuli pôde encontrar, até doze dias atrás...
Quando Yuli, após ouvir rumores num povoado, foi em busca de Ichi, a bruxa de preto, que ele encontrou numa caverna remota. Agora, a feiticeira já era muito velha, e era feia e assustadora — tanto que mais parecia um yokai do que um ser humano — mas, na juventude, havia sido bela e foi muito amada, até que o Demônio da Glutonia e sua horda assassinaram o amado dela.
A bruxa Ichi, que diziam de tudo saber, contou esta história a Yuli, que escutou atentamente e soube da localização da cidade abandonada onde os demônios se reuniam.
Na cidade abandonada, ele entrou numa velha casa, coberta de pó, iluminada apenas pela luz da lua, e lá ouviu um barulho que parecia como o de um animal que estava mastigando um osso. Ele supôs que fosse um demônio. Aproximou-se furtivamente por trás e pôde ver que realmente era um demônio, roendo o osso de um braço de um esqueleto humano. Com um rápido golpe de sua katana, Yuli cortou a cabeça da fera.
Mas, no instante seguinte, outro demônio apareceu às costas de Yuli, que, saltou e recuou na direção oposta ao monstro, tão logo sentiu aquela presença maligna. Ele observou o demônio com atenção e quando a fera se moveu, o ronin disse suavemente “iki” e o demônio foi cortado ao meio. Num golpe rápido, como um piscar de olhos, a metade de cima e a de baixo do corpo do monstro caíram separadas uma da outra.
Mas, logo depois, e antes que as metades do monstro chegassem ao chão, Yuli se lembrou de um rumor antigo, sobre alguns demônios emitirem certo odor de seus corpos, quando estavam caçando, e esse cheiro serviria como uma forma de alarme para que os outros demônios soubessem quando um de seus companheiros morreu e, assim, os outros viriam para tomar seu corpo como presa e se servirem dele, como comida, por dias.
Então, ele se preparou para a aproximação de novos inimigos, porém, pela primeira vez em muitos anos, um adversário foi mais rápido e furtivo que ele e algo se chegou por trás do ronin e, com um golpe na nuca dele, derrubou-o.
Yuli despertou sendo transportado por dois outros demônios. Rapidamente, ele decidiu que seria melhor se ele os deixasse leva-lo, pois seria onde o restante do bando de demônios estaria. Uma de suas espadas havia ficado para trás, mas a outra permanecia na bainha presa a suas costas. Certamente, os demônios não consideravam que ele fosse despertar do golpe na cabeça, ao ponto de nem terem tentado toma-la dele.
Depois do que pareceu alguns minutos, os demônios passaram pela entrada bem sombria de uma caverna. O lugar era mergulhado em escuridão quase total, exceto por uma leve luminosidade que vinha de pedras brancas cravadas nas paredes rochosas. Nesse momento, Yuli começou a contorcer seu corpo e um dos demônios arremessou-o na parede da caverna, tentando fazê-lo desmaiar.
Em vão, Yuli estava tentando desatar suas mãos. Ele finalmente conseguiu pegar sua espada e atravessou-a na cabeça do demônio mais próximo a ele. O outro tentou mover-se e pegá-lo por trás, mas Yuli saltou sobre o monstro e fez um corte que ia do coração à cabeça do monstro, abrindo-a em duas. A fera demoníaca caiu morta.
— Quem está causando esta comoção em meu covil? — perguntou uma voz masculina, forte e distorcida às suas costas.
— Meu nome é Yuli e estou procurando o Demônio da Glutonia que, junto com seus servos, devoraram minha esposa — respondeu o ronin.
— Então, dê um passo à frente, pois sua busca terminou. — respondeu a voz.
Yuli dê alguns passos a frente e viu uma presença assustadora e tão sombria quanto a caverna em que eles estavam.
— Vamos, então — disse Yuli — eu o desafio a duelo. Se você vencer, sua tropa terá meu cadáver como comida suficiente para uma semana inteira. Se eu vencer, permita-se deixa este lugar levando sua cabeça comigo.
O demônio conseguiu com um sorriso malicioso e avançou.
Considerando o tamanho e a força do monstro, Yuli sabia que um único golpe daquele demônio e o ronin estaria morto.
Yuli entrou em posição para atingir aquele monstro e terminar a batalha com um só golpe, mas na eventualidade de os demônios não manterem sua palavra, ele ainda poderia enfrentar os outros dois que estavam no canto da sala.
O monstro da glutonia fez seu movimento. Yuli disse “iki” e um profundo corte foi feito na grande barriga do demônio e muito sangue espirrou de lá. A fera contra atacou e atingiu o ronin, mas breve caiu ao chão morta. Yuli saltou para o outro lado da caverna, mas um grande buraco havia sido feito em sua barriga pela garra do Demônio da Glutonia, logo suas pernas não puderam mais sustenta-lo e ele caiu. Os dois demônios restantes tiveram apenas de esperar enquanto a alma do ronin deixava seu corpo. Então, os dois monstros caminharam até o cadáver de Yuli e, famintos, passaram a língua pelos próprios lábios...
FIM
VOCABULÁRIO:
IKKI - o título do conto. É uma variação de "iki", que, em japonês, entre outras coisas, significa "vivo, estar vivo", em outros significados, é o desafiador grito de guerra do personagem.
SAMURAI - antiga classe de nobres guerreiros no Japão.
RONIN- samurai sem mestre, um samurai que caiu em desgraça e, geralmente, sobrevivia como assassino de aluguel.
HAN - um feudo no Japão, ou seja, uma grande extensão de terras que pertencia a um senhor feudal, o Daimyo. Sob a lideranças dos Daimyos estavam os samurais. Embora respondessem ao Imperador, tinha muita autonomia e poder próprio. Cada Daimyo pertencia a um clã.
YOKAI - fantasma ou espírito que poderia ajudar ou atrapalhar os humanos, na mitologia japonesa.
Paulo Eduardo Albuquerque Falcão Filho, 23 anos, nasceu em João Pessoa, mas vive em Goiana-PE, desde a infância. É estudante, entusiasta de games, animes, séries de TV, filmes e grande admirador da cultura japonesa. Um dos mais talentosos prosadores de Goiana, embora, por ser muito tímido e recluso, produz pouco e é ainda pouco conhecido do público. Há alguns anos, publicou o livro SANGRIA, uma coletãnea de contos de terror. Pelo CLAG - Clube de Leitura e Artes de Goiana, publicou o livreto KATE MILDRED. Sua publicação anterior no Literanis foi o conto de horror cômico
Verdadeiramente trata-se de uma história envolvente. Parabéns, Paulo!!!
ResponderExcluirTenho orgulho desse garoto.
ResponderExcluirAdorei!!! O final foi surpreendente.
ResponderExcluirLi e gostei muito. Parabenizo o autor pelo seu conto brilhante. É, curioso lê um contista brasileiro falar com propriedade intelectual sobre a cultura japonesa. Gostaria de ler mais contos dele.
ResponderExcluirParabéns Paulinho! Você consegue, através de suas palavras, transportar o leitor para o seu conto. Feito com muita pesquisa e dedicação. Tio Carlinhos sente orgulho de você.
ResponderExcluirParabéns Paulinho, você é um ótimo escritor, adorei😘😘
ResponderExcluir